Robinho celebra com Kaká, Adriano e Ronaldo gol contra o Chile na Copa de 2006 - Evaristo Sá / AFP/04-09-2005
BELO HORIZONTE — O futebol brasileiro está de joelhos, subjugado pela maior humilhação
de sua história, imposta pela ótima seleção da Alemanha, no gramado do Mineirão.
está longe de ser trivial, mas, ao menos, oferece diagnósticos, úteis a quem estiver
aqui. (Nunca será demais lembrar que o começo de qualquer cura está na admissão
da doença.) Alguns deles:
1. AS DIVISÕES DE BASE
O processo de formação dos futuros jogadores no Brasil conjuga profissionais despreparados
estruturas precárias, pressão por resultados e influência espúria de empresários.
O resultado está na cara: Neymar serve como exceção num cenário desértico de revelação
de talentos. Quando os meninos chegam ao fim da adolescência, precisam se entregar
a empresários que atuam nos clubes como abutres. Além disso, há um pensamento
generalizado de que a prosperidade está numa transferência ao exterior — e quanto
mais cedo, melhor. Os garotos saem do país ainda com a formação incompleta, e suas
deficiências se cristalizam. Para completar, o Brasil não enxerga alguns talentos, que só
se consolidam no exterior — o zagueiro David Luiz, que começou numa escolinha em
São Paulo, passou pelo Vitória, mas foi aparecer somente no Benfica, é o exemplo
mais eloquente.
2. O ATRASO DOS TÉCNICOS
Nenhum treinador brasileiro aparece nas cogitações para dirigir times europeus importantes.
Chamados de “professores” pelos bajuladores, eles só encontram abrigo em mercados
periféricos, como o mundo árabe e os países orientais. Está longe, novamente, de ser acaso
ou preconceito. Os brasileiros ficaram no passado em esquemas de jogo e métodos de
trabalho. Aqui, se ouve muito que “fulano entende os jogadores”, “sicrano sabe unir o grupo”,
“beltrano tem pulso forte”, mas a última novidade surgida por estas bandas talvez tenha sido a
coreografia de macaquices encenada pelos técnicos à beira do campo, jogo sim, jogo também.
Exemplos dos dois últimos técnicos da seleção: ano passado, Mano Menezes, à frente do
Flamengo, determinou que a equipe mudaria de vestiário no Maracanã para ele poder
“pressionar o bandeirinha”. Seu sucessor no comando do time canarinho, Luiz Felipe Scolari,
tinha como uma de suas armas na Copa o lançamento dos zagueiros direto para Fred tentar
ganhar de cabeça, de costas para os zagueiros.
3. PRECONCEITO CONTRA ESTRANGEIROS
À fraqueza endêmica dos treinadores soma-se o preconceito dos cartolas, que não consideram
a possibilidade de contratar um profissional estrangeiro para a seleção. Poucos clubes apostam
em técnicos de fora do país. Preferem a atitude estreita de demitir após resultados ruins,
mantendo ativa a ciranda dos mesmos nomes.
4. A GERAÇÃO PERDIDA
No caso específico da seleção atropelada pela Alemanha no Mineirão, alguns jovens talentos, como Neymar e Oscar, tiveram de assumir o papel de protagonistas na neurótica disputa da Copa em casa, porque a geração anterior a deles naufragou precocemente. Os experientes Adriano (32 anos), Kaká (também 32) e Robinho (30) entraram em decadência bem antes do Mundial brazuca e não houve a transição que tornaria tudo mais leve. A ascensão de Neymar, especialmente, teve de ser precipitada.
5. A ÉTICA DO JOGO
Os brasileiros, especialmente os que atuam no país, insistem em fazer do jogo um teatro
patético de simulações de faltas, investem exageradamente em reclamações e na pressão aos
juízes. Até outro dia, Neymar era criticado na Europa por se atirar, exagerando as entradas
que sofria. Os grandes times do Velho Continente ensinam, há algumas temporadas, que o
certo é, simplesmente, se empenhar em cada lance pela vitória. Sem atalhos. Lições que vêm
no bojo de placares como o da terça no Mineirão, mas ainda ignoradas pelos brasileiros.
6. OS MESMOS DE SEMPRE
No comando da CBF, um dirigente que milita no futebol há pelo menos 40 anos; à frente da seleção, o técnico de 2002 e o de 1994 (que era preparador físico em 1970). Se ao menos eles tivessem ideias novas... Mas não. Felipão repetiu, em 2014, o conceito de família que deu no penta conquistado em campos do Oriente. Ele, Parreira e José Maria Marin invocaram o discurso de “ninguém segura esse país” para turbinar o pré-Copa, garantindo que a conquista do hexa era quase uma formalidade, tamanho o poderio de nosso esquadrão. Para tudo se desmanchar na maior humilhação da seleção em todos os tempos.
7. O AMBIENTE DO FUTEBOL
Com as persistentes e impunes ações de torcidas organizadas violentas, cambistas invencíveis e cartolas cúmplices, somadas à omissão das autoridades, os cidadãos de bem vêm sendo afugentados dos estádios há décadas. Em clássicos, quase dá para cortar com uma faca o pesado clima de tensão, pela permanente possibilidade de um conflito entre facções de torcidas, dentro e fora dos estádios. Nas decisões, comprar ingresso é missão para super-herói, com energia para enfrentar filas que cruzam a madrugada em frente aos guichês ou superar os muitos esquemas da venda paralela. Assim, as famílias passaram a assistir ao futebol pela TV, privando as crianças da suprema diversão do estádio, fundamental para cultivar o amor pelo futebol.
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